domingo, 26 de setembro de 2010

Acidente de trabalho


Eu desconfio seriamente de alguém que se diz praticante do futebol, arte ou não, que nunca tenha tido algum contratempo. Entenda contratempo como: algum roxo, alguma luxação/torção, rompimento/quebramento de ligamentos e ossos. Ossos do ofício que não consideram se o ser está inerte, no ócio, ou em movimento contínuo: todos vão se machucar em algum momento. Levando em conta toda essa gama de possibilidades para a autoflagelação, o que me intriga é o masoquismo que faz com que, logo após um machucado/encontrão, se volte ao campo para jogar como se nada tivesse acontecido. E sendo bem simples e direto, sou uma grande prova disso. Segue um breve relato de alguns desses acidentes.

Na 6ª série, fui derrubado por um colega (goleiro desprovido de keeper skills) e bati com a boca no suporte da trave perdendo três dentes, que logo foram reimplantados. O mais curioso é que desse dia eu consigo me lembrar com muito mais clareza dos momentos que antecederam o acidente do que o próprio. Lembro de no dia anterior pegar a bola emprestada com o Tuca, colocar na mochila, fazer a prova de Português correndo pra jogar bola e depois... Um branco. Deve ser um quê de memória seletiva: só fica o que importa. Ao chegar em casa com os dentes cheio de resina, o primeiro conjunto de ações foi ir ao quintal, tirar a bola da mochila e rolá-la carinhosamente pra parede pensando: [já que não conseguia falar] “Caralho, joguei muito hoje.”

Sabe quando o narrador fala algo como “fulano mandou um tijolo/coco/rojão no peito do companheiro que foi impossível dominar”? Foi mais ou menos assim que aconteceu comigo. As diferenças são apenas duas, mas significativas: O rojão era de verdade e eu dominei “sem deixar cair”. Estava eu em BH fazendo testes para o América e Cruzeiro quando, após o almoço, começa uma queima de fogos. Eu estava na frente do restaurante resenhando com alguns amigos quando escuto não tão longe de mim aquele barulho “fumaçado” de um busca-pé. Assim que viro pra ver ... BUM! O rojão, de verdade, acertou o lado direito do meu peito. Desacordei, mas rodeado por alguns amigos fui acordado e incentivado a ficar tranquilo. Levado ao hospital, eu só pensava que não poderia continuar a semana de testes. “E logo hoje que tinha treinado tão bem contra o América”, pensei. O cheiro de fumaça no corpo era insuportável, mas além de não poder continuar os testes e da nova cicatriz, outro pensamento me assolava: a camisa do Cruzeiro novinha que tinha comprado tinha agora um buraco no lado direito e um cheiro de teste perdido. O bom é que depois desse dia eu nunca mais tive medo de dominar bola alguma no peito.

O terceiro e mais recente acidente aconteceu já na Universidade. Assim que entrei, como calouro de Relações Internacionais, fiquei sabendo da seleção para o time da UCB e não pensei duas vezes em participar. Assim como não pensei duas vezes em desistir do curso com seus métodos quantitativos/qualitativos, gráficos do IPEA e afins. Passei na seleção. E assim que começou o campeonato, tive que sair do time, pois não era mais aluno. O curioso é que no fim do campeonato, recebi uma ligação do treinador chamando para bater um rachão. Fominha que sou fui jogar o bendito. E tudo ia muito bem até que num lance super bobo, sozinho, rompi o ligamento cruzado anterior do joelho direito. O lado “positivo” é que, mesmo com o ligamento rompido, eu jogava futebol. Caí muito nesse tempo, mas também melhorei consideravelmente meu chute com a esquerda. Até aprendi a dar elástico com a perna sinistra!

Existem alguns outros acidentes, mas acho que três estão de bom tamanho. O fato é que ainda me intriga essa força motriz, que após tantos percalços faz com que continuemos a jogar/machucar uns aos outros. Não sei se é assim com vocês, mas quando estou no campo, não penso em mais nada além dos limites das quatro linhas.

Então deixa assim, no subconsciente. O ortopedista/médico/DM mais próximo nos aguarda.